Sunday, July 10, 2011

Mal estar da época, lua em scorpio e meu vizinho

  
Café na caneca, domingo amanhecendo devagar e lindo.
Como de hábito, faço a ronda dos jornais que gosto de ler, visito alguns dos colunistas/blogueiros preferidos.

Um deles é João Ubaldo, que na Folha de hoje, disse em palestra no Flip, que  ‘somos uma especiezinha muito criticável’. Essa pequena e melancólica frase apareceu com outras roupagens em muitos outros cantos. Inclusive num ‘share’ do Ricardo no FB, apontando para um artigo do Ricupero sobre o mal estar da época. Fecho os jornais, ponho os tijolos de lado e mudo de estação.

Checo a situação planetária do dia: lua em escorpião, urano retrógrado e por ai vai. Mudo de estação de novo; saio na varanda pra ver o lá fora. Observo que meu tomateirinho está quase da minha altura e cheio de tomatinhos; os gerânios explodem em vermelho (que puta energia dar tanta flor assim!!!!); as gaivotas, corvos, e outros passarinhos que pra mim não tem nome, fazem o que fazem sempre quando o dia amanhece.

No prédio ao lado tem um jardim que está tomando uma forma bonita. O dono do jardim é um cara, Huck, que deve ter sido hippie, marinheiro, soldado abatido em alguma guerra maluca, sócio de algum joint de tatuagem, presidiário, pastor evangélico e professor de kung fu. Além disso, é feio daquela feiura difícil de transcender. Mas como vizinho, é sempre simpático e sorridente, dá bom dia e tal.

Mudou-se para o apartamento ao lado mais ou menos na mesma época que eu – uns 4 anos atrás. Huck, no início, bem ensimesmado. A feiura dele se espalhava pelo jardim do apartamento como rede de pesca velha, musguenta, boias cobertas de algas. À noite, ficava ele sozinho naquela bagunça imunda, olhando o nada. Parecia ser a triste encarnação do mal da época com seus olhos perdidos, pele maltratada por agulhas e balas, sem rumo, sem beira... só fundo perdido.

Um dia, algum benéfico planeta ou anjo passou pelo quintal dele. Uma mulher muito bonita apareceu no jardim, do tipo harleyra reformada. Eu, vizinha maldosa, logo me perguntei o que uma mulher tão linda estaria fazendo lá com um cara tão fim de linha?... E ela foi ficando, ficando. Um ficar gentil, sem alarde, pincelando cores aqui e ali, enterrando a rede de pesca puída, abrindo espaços para mais luz.

Dois anos se passaram. Hoje o jardim está transformado: flores, ervas perfumadas, hortinha, caminhos de pedra, fonte de água para os passarinhos, churrasqueira, cadeiras e mesinha, amigos pro happy hour, sons de risos e boas histórias. Tem até um cachorrinho.

Huck sorri um enorme bom dia, ajeita a calça do pijama pra cobrir as tatuagens na bunda, trocamos palavras e idéias sobre os nossos respectivos jardins.

Não sei a cura dos problemas do mundo, faz tempo que baixei a crista e desisti de querer mudá-lo. Não nego que, sim, sinto no clima geral um desânimo, um certo mal de época  Mas, nesse domingo bonito, prefiro mudar de estação e ver amigos, gente, amores, carinhos como a prova diária de que, embora possamos ser ‘criaturinhas criticáveis’, somos também todas as outras cores na paleta. Se não conseguimos mudar a tela do mundo, que tal pintar o nosso quintalzinho? De preferência, aceitando e reconhecendo a ajuda incondicional de alguns planetas amorosos que, junto com os outros menos suaves, vão dançando conosco afora.








Monday, July 4, 2011

Caneca companheira roubada do convento em Mendhem, quase 20 anos atrás, durante meu primeiro treinamento em FpC. Está sempre comigo, com café, água, chá muito de vez em quando.
Serve pra medir farinha e leite, mas prefere café mesmo.
Lipman e Ann já se foram, CBFC também, Pimpa, Luisa, Ari dos Telles tocando suas vidas pelo mundo. Os monitores, vai saber... notícias só tenho da Isabel, muito de vez em quando.
Gloria, em Barcelona é minha amiga no FB, assim como Catherine McCall no Reino Unido. Eugenio me convidou para visitá-los no México. Quem sabe?
E a caneca continua comigo, carregando dentro dela um montão de lembranças.

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Seattle quando resolve ser gloriosa, é incomparável. Linda, chique, esportiva, simpática, cheirosa. Tem montanhas, lagos, lagoas, parques, gente de todos os tipos. Moro aqui faz uns cinco anos. Demorou para me sentir em casa, mas este ano sinto que estou chegando, fincando os pés na terra.
Prova disso? plantei um tomateiro para curtir o verão, não tenho pressa de viajar novamente, e penso até que seria legal comprar uma casinha com um jardim bem pequeno.


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Quem sabe de mim sabe do meu amor por cozinha. É o melhor lugar do mundo, seja ela qual for e onde for. É onde a tudo toma forma e vida, onde a gente nunca se sente só.
Domingo passei no farmer's market só pra ver as novidades do dia. Esperava encontrar pessegos, mas pelo jeito ainda não estão prontos para a feira. Comprei damascos, que não gosto tanto assim - vou levá-los ao churrasco de 4 de julho esta noite.
Pensei na mamãe, fiz baked beans que ficaram deliciosos; pensei no papai, fiz alcachofrinhas; pensei na vovó, mas ainda não fiz um vatapá transado; pensei nas minhas filhas, vou fazer macarrão preto de lula e salmão defumado; pensei no Guarujá, jantei mexilhões; pensei no antigo amor árabe, fiz arroz com lentilhas e cebolas fritas; pensei em outro amor que ainda é, cozinhei milho; pensei na minha viagem aos emirados, fiz repolho recheado; pensei no Milton Nascimento e vou fazer frango com quiabo; pensei na ilha das cabras, preciso achar manjuba; pensei na Bettina, fiz uma salada completíssima.
Acho que foi a Nina Horta que disse que comida pra ser boa tem que deixar e carregar lembranças.







Thursday, May 26, 2011

Estranhamento



Chegar em São Paulo, chegar em Seattle, me causa uma estranheza inicial que leva uns dias para passar. Estranhamentos que acionam um sinal de alerta, de atenção focada, como se de uma hora para a outra eu precise mudar de registro, de frequencia modular. Assim como sair de uma festa na praia e cair num bar de jazz. Alguns são agradáveis, meio que pequenas lembranças/surpresas que vem à tona sem pedir passagem. Outros, mais intensos, nervosos, medrosos.

Em Sampa fico deslumbrada com o cheiro do ar de Guarulhos; o jeito como as pessoas andam perto umas das outras, quase se encostando; a umidade nas calçadas lavadas de manhã; acompanhantes segurando o braço das senhoras no Itaim; com o gosto maravilhoso do churrasco e rúcula do quilo da esquina; da simpatia dos taxistas; sabiá avisando que sim, estou na minha terra; a batida mais forte no coração só de pensar que estarei com minha família e alguns poucos grandes amigos. Estranho o barulho. O modo confuso de se resolver problemas e o tempo de leva para fazer coisas simples. Me espanto com o medo contagiante sentido pelas pessoas, com a desconfiança do outro.

Em Seattle também fico deslumbrada quando chego. Me encanta a beleza da cidade, a limpeza. Um fluir tranquilo, um tanto sério, sem tanta pele se enconstando, sem tanto sorriso espontâneo, mas sempre gentil. Corvos e gaivotas no lugar dos sabiás e bem-te-vis. Uma espécie de sozinhice zen como pano de fundo parece ser uma constante nesse estranhamento inicial. Tem também o prazer de estar no meu canto e cozinhar para mim mesma e para amigos. A natureza me encanta, mesmo na chuva. Cheiro de verde e musgo. E, aparece uma certa urgência em colocar a vida em dia e recomeçar algum tipo de rotina que possa me ancorar, reconectar com as pessoas mais chegadas. A emoção gostosa de me sentir um pouco mais perto das meninas, mesmo que eu não as veja com frequência. 

Mas o estranhamento maior é a sensação de pertencer e não pertencer a nenhum dos dois lugares. Um flutuar que me desconcerta, me libera e melancoliza ao mesmo tempo. Um flutuar que passa com os dias, vou aterrisando devagarinho como uma folha que cai na água... pode ser o Tietê, pode ser o Greenlake, cada qual me leva por caminhos, sensações, paisagens e vivências diferentes.

Friday, January 7, 2011

Resoluções de final de ano...

Na verdade, resoluções do primeiro dia do ano...

- pretendo não passar mais nenhum inverno em lugares com temperaturas abaixo de 20ºC. Neve, só no cinema e cartões postais.

- preparar uma refeição simples e nutritiva todos os dias. Começando amanhã, com um casal amigo, um almoço com beringelas, salada graga, arroz com lentilhas. Postar uma foto de cada comidinha, com receitas pras minhas filhas.

- montar um plano financiero aqui nos EU e no Brasil que beneficie minhas filhas e alguns projetos que valham a pena no longo prazo. Muita pesquisa pela frente.

- sair de cima do muro, depois de julho de 2011... sossegar o facho e decidir onde é a minha casa, onde quero que minhas raízes se finquem.

- conhecer um país e uma cultura totalmente diferentes e que me tirem da zona de conforto.  Mais pesquisas pela frente.

- me reprogramar para viver sem medo... quem é mãe, irmã, filha etc, etc, é muito conduzida por temores por uns e outros. Quero ser tudo isso, mas de forma destemida. Dando e recebendo espaço pra vida de cada um de nós.

- aceitar, ou como dizem aqui, "embrace", tudo e todos que me apresentam como estranhos. Quero sentir no outro uma parte de mim. O que me livra de julgamentos e abre espaço para um montão de coisas que vou descobrir.

- cultivar amizades que, no fundo, são amores incondicionais. As vezes eternos, dependendo da energia colocada.

... quem me lê... alguma outra sugestão?

:-)  ah sim, pretendo entrar na onda do
http://www.youtube.com/watch?v=ajKMkIXN1eg

beijos




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Saturday, December 18, 2010

Escabeche de peixe

Dia lindo ontem, resolvi dar um pulo no supermercado mais legal daqui. É um mercado asiático, no centro da cidade, onde a gente encontra de quase tudo. Até jaca!
Bem, não fui por causa da jaca e sim para comprar peixe pra fazer um escabeche. Achei tres linguados pequenos e super frescos. Achei também bacalhau, que pretendo levar para Salt Lake pra fazer uma bacalhoada pra Cati.
As 7 da manhã, resolvi entrar na cozinha...

Piquei umas cebolas brancas e roxas, bem fininho. Piquei a única cenoura que tinha na geladeira. Laminei tres dentes de alho. Esquentei um tanto de azeite, onde coloquei alguns grãos de zimbro, duas folhinhas de louro, uma mistura de sementes de coentro e casca de laranja seca em pó. Quando o cheirinho estava gostoso, joguei as cebolas e a cenoura, que deixei cozinhar um pouco antes de jogar uma colherzinha de vinagre de maçã. Desliguei o fogo.

Depois, temperei os peixes com sal e pimenta e os passei em farinha de rosca. Acho que farinha de trigo teria dado mais certo. Esquentei óleo na frigideira e fritei os peixes.

Quando prontos, foram colocados num prato fundo e regados com o molho do azeite e cebola. Vai ficar marinando algumas horas. Esse será meu almoço, acompanhado de saladinha de alface, tomate e aspargos grelhados, e um pedaço de baguette.

***

Almoço delicioso mesmo! Na próxima vez, vou preferir um peixe com mais personalidade, como sardinha. O toque da casca de laranja e o zimbro deu ao peixe leve um aroma especial, muito harmonioso. Acho que não funcionaria com sardinha, que talvez peça um tipo de aroma mais pungente. Pimentão? O alho laminado deu um toque especial... afinal, o alho apareceu com sua grandiosidade e sabor. (Por que será que a gente tem mania de picar e pisotear o alho até ele ficar escondido, dissolvido? Laminado ele fica bonito, visível, crocante...)

Agora, preciso aprender a tirar fotos de comida. Tem muita técnica que desconheço. De qualquer forma, se algum de vocês quiser fazer uma refeição leve, barata, gostosa e saudável, essa é uma boa opção.

Tuesday, October 5, 2010

Terça, postando reflexões da sexta passada...

Dessa vez, fotos só no link to picasaweb... http://picasaweb.google.com/mcsxii/AbuDhabi#5524385608210783858

Sexta, dia santo. Tudo fica fechado até as 4 da tarde. Então, Nagila e eu aproveitamos o trânsito tranquilo da cidade para visitar alguns lugares chave para o festival de cinema. (Sou eu quem está dirigindo... um bom jeito de conhecer um lugar.)

Começamos visitando o mercado de peixes no cais dos barcos (dhows) pesqueiros. Um cheiro de matar qualquer um, mas os peixes pareciam vivos de tão frescos. Fiquei sem jeito de tirar fotos, dada a autencidade do lugar...

Pra refrescar e conhecer algumas das salas de cinema que serão usadas durante o festival, fomos ao shopping Marina, que dá vista linda para a cidade. Conferimos também os restaurantes e cafés do shopping pra eu saber onde levar os jurados entre um filme e outro. Como agora é a estação de outono, modelitos para o inverno nas lojas: botas, casacos, malhas, tudo em tons de preto e cinza. Não consigo imaginar usar essas roupas quando a temperatura lá fora é de 39º!

Visita ao Hotel Emirates Palace, onde ficarão os nossos escritórios a partir do meio da semana que vem. O lugar é absolutamente, absurdamente, vergonhosamente metido. Até a porta do elevador é de ouro! Pétalas de rosas (vai saber o carbon print de cada flor) lindamente espalhadas pelas pias do banheiro. No site do hotel, se vangloriam de serem “verdes”. Sem preocupação com o politicamente correto fico pensando que verdes são os dólares que eles gastam em ar condicionado e eletricidade num hotel como esse.

Li no jornal local que o lixo per capita dos Emirados é tres vezes superior ao dos EUA... e programas de reciclagem? Bem estão tentando resolver o problema.... por enquanto, jogam tudo nas areias do deserto. Bem, há um projeto piloto que conta com os semi-escravos indianos.

Confesso que continuo em estado confuso, quase de choque. Tanta opulência por um lado, tanta idolatria/adoração pelos criadores do projeto de desenvolvimento dos emirados, tantos estrangeiros de multinacionais cabaleantes e inseguras, tanta promoção/marketing de miragens mirablolantes nas areias... por outro lado, o de sempre... imigrantes paupérrimos, tomando chá nas calçadas, longe das famílias, em roda aproveitando o ar modorrento do final da tarde pra, ao que parece, fugir dos bunkers/dormitórios que servem como moradia comunitária. Ou mães filipinas trabalhando como manicures pra sustentar filhos na terra natal.

Olho sem tecer julgamento – afinal, nem a língua entendo quanto menos as nuances do tecido social. Mas que meu coração aperta, aperta... sem entender muito o porquê.

Friday, October 1, 2010

ainda em Abu Dhabi


Post sem fotos... algumas coisas são bloqueadas nos Emirados. Skype pra telefone e, às vezes, alguns downloads...

Aqui a semana começa no domingo. Então, hoje foi meu primeiro dia de trabalho no festival de cinema local.

Uma equipe de umas 200 pessoas de várias nacionalidades e diversas línguas, experiências profissionais também diversas, espalhadas por escritórios num teatro absolutamente magnífico no meio do nada. Esse ‘nada’ era pra ser alguma coisa esplendorosa – com villas, shopping, campos de golf e outras coisas do mundo esplendoroso – e virou nadinha mesmo depois do colapso econômico. Um monte de casas vazias (que dois anos atrás eram alugadas por mais de $100.000/ano), construções, auto-pistas que não levam a lugar algum, um shopping quase vazio e, claro, esse teatro enorme que cede, de graça, seu espaço para a organização do festival.

Uma equipe que reune conhecimento humano de enorme valor, histórias e experiências, que passa boa parte do tempo re-organizando o que foi organizado duas horas atrás e ‘touching base’ no fumódromo.

Mas, foi meu primeiro dia trabalhando para um festival que vai acontecer, de fato, daqui a tres semanas. Um tempo enorme, espaço quase infinito para muitos milagres... Como, por exemplo, saber exatamente quais os filmes que serão apresentados, resolver que tipo de ingresso será impresso, quem faz parte do juri, quem é VIP e quem não é... e um montão de outros pequenos detalhes que, por serem confidenciais, não são compartilhados com a galera... como sou uma das pessoas da galera as orientações de trabalho vem a conta-gotas.

De qualquer modo resolvi, por conta própria, ter um pequeno projeto de pesquisa. Estou então googleando/pesquisando/o trabalho de todos os cineastas, produtores, diretores que estarão presentes no evento.

Meu primeiro dia de trabalho foi moroso no meio do deserto, mas muito, muito interessante mesmo, vendo/lendo/pesquisando/aprendendo sobre a perspectiva das pessoas do oriente médio.
Vendo o areial e sentindo o calor... mulher tropical que sou, começo a tecer entendimentos (iniciais e falíveis, óbvio) sobre a razão de tudo que é  ‘pra dentro do muro/véu/areial’ ser tão brilhante e dourado.