Saturday, November 28, 2009

Lembranças e lições da Bahia



Alguns momentos inesquecíveis vividos durante a minha ida à Bahia com Margaret, seu charmoso monitor acadêmico, o Angelo e 14 alunos da Universidade de Washington:


Eu – Estamos aqui pra te trazer um remédio para sua indisposição. Soubemos que vocês exageraram nas bebidas na festa de ontem a noite.

Aluna (com cara de ressaca) – Obrigada. Sim, a festa estava ótima! Bebemos até quase cair.

Eu – Pra que beber tanto assim?

Aluna (surpresa) – Se não é pra ficar completamente de porre, pra que beber? What’s the point?


***

Antes da viagem, recebi um email me avisando que três alunos estavam fragilizados. Interpretei 'fragilizados' como sendo algo relacionado a uma gripe ou resfriado.

A fragilidade de A era alcoolismo e evidente violência doméstica na infância, ou talvez ainda agora. Meio burrinha mesmo, postou suas estripulias na web. O pessoal da universidade que acompanha o FB dos alunos entrou em pânico pensando que não estávamos supervisionando bem os alunos. Muita areia vai voar ainda por causa dessa garota que, na maior ingenuidade, pode ter prejudicado todo um programa acadêmico maravilhoso.

A fragilidade de B, surtos de depressão. Garoto lindinho, filho de militar evangélico de uma cidade pequena no interior da costa oeste. Na universidade saiu do armário e assumiu novas preferências sexuais. Na Bahia soltou a franga até que outros gays locais o aconselharam a baixar a bola... gay na Bahia tem que ser mais macho.

A fragilidade de C era a mesma da maioria dos outros alunos: jovem em busca de sua identidade, de origem muito modesta, de etnia minoritária e história pessoal complicada.

Mais uma vez a linguagem politicamente correta me pegou... por que não avisar de cara que a turminha daria uma trabalheira danada? Além disso, de frágeis eles não tem nada. São pessoas de muita garra, alguns sobreviventes de atrocidades, passando pela fase de transição entre a adolescência e a vida adulta.
 ***


Aprendi que uma das formas mais legais de aprender sobre a própria cultura é viajar com uma professora e seus estudantes de antropologia.

Cada aluno tinha um projeto de pesquisa. Os temas eram bem diversos: capoeira, candomblé e catolicismo, a influência evangélica na política local, comida de rua e boteco, samba, a vulgarização da mulher nas letras do pagode, influência libaneza na Bahia, a linguagem corporal dos gays, grafite e grafiteiros, a questão das cotas, o papel da mulher nas instituições de ensino, e por aí afora...

Margaret, Rita, Angelo (monitor acadêmico do programa) e eu ajudávamos da melhor forma possível, já que a maioria não falava ou mal falava português. Margaret e Rita procuravam agendar entrevistas com especialistas em cada área; eu traduzia as pesquisas, perguntas e respostas para os alunos mais introvertidos; cada um de nós acompanhou alunos individuais ou o grupo todo em ‘visitas de campo’.

Entre várias outras, as visitas incluiram concertos de música mestiça no Museu do Ritmo em Salvador (tive overdose de música africana!); assistir missas e rituais de candomblé (escapei dessa!); comer comida árabe num restaurante na casa de uma libanesa simpática e falante (essa eu não podia perder!); conversas com professores e professoras; bares gays (eu perdi essa);  aulas e palestras sobre capoeira; visitas e palestras sobre as favelas; conversas com vendedores ambulantes de cafezinho; a imunda mas fascinante feira de São Joaquim.

Novembro foi um mês de muito aprendizado, trabalho, calor, ansiedade e calor humano. Um mês na corda bamba, transitando por nuances culturais, estabelecendo pontes de entendimento. Posso dizer com certeza que, além de ficar perto do fogão fazendo comidinhas, o que mais gosto na vida é de estar no meio da diversidade e aprendendo com todo tipo de gente.