Tuesday, April 20, 2010

trabalho de formiga no mundo global


Há um mês, acidentalmente, consegui um trabalho novo. Um trabalho de tradução/revisão do sistema operacional das máquinas de ultrasom de uma empresa líder do mercado. Digo acidentalemente porque acho mesmo que eles não conseguiam achar alguém com o meu perfil na região de Seattle. Por perfil quero dizer muita paciência. Aceitei mais por ser um trabalho frila de longo prazo, com bastante flexibilidade  e bem pago.

Na primeira vez que fui ao “laboratório” da companhia, fui treinada por uma tradutora italiana sênior. Nosso supervisor era um coreano jovem, impaciente do tipo que cronometra o progresso (lento, no meu caso) durante as 8 horas precisas que temos que estar trabalhando no projeto. Nem um minuto a mais, nem um segundo a menos. As máquinas de ultrasom onde trabalhamos também nos cronometram. São duas máquinas idênticas: uma - dessa mesmo que o pessoal usa nas clínicas e hospitais - toda programada em inglês. A outra, programada em português.

O trabalho consiste em verificar se cada janelinha, botãozinho, instrução, comando, etc., está corretamente traduzido. Muitas das pré-traduções foram feitas por tradutores na Europa, no Brasil, na China e nos sites/programas de tradução. Samba do criolo doido... cronometrado.

Esta semana minha supervisora é uma jovem chinesa, que mal fala inglês. É a segunda vez que ela vem para os EU para supervisionar o trabalho da equipe de tradutores espanhois, portugueses, franceses, italianos, dinamarqueses, japoneses, coreanos, entre outros.

Sim, ela mal fala inglês e é bem difícil entender o que ela diz. Deve também ser difícil para ela entender o que eu digo... primeiro, porque eu sou nova no projeto e tenho montes de perguntas bem básicas; segundo, porque eu uso um PC e ela usa um não sei o quê chinês... e as máquinas não se comunicam; terceiro, porque tem uma onda de fofoca no ar que eu não consigo decifrar. Só aos poucos, no restaurante da empresa, ou nos corredores, vou aprendendo as nuances e politicagens.

As 9 da manhã, 30 minutos depois do cronômetro começar a ticar, aprendi rapidinho que ela pode não falar nenhuma língua além do mandarim, mas ela conhece o programa que temos que verificar de olhos fechados. Ela disse que o software foi feito pela empresa chinesa e ela é uma das engenheiras de programação. Perguntei seu nome... ela disse que nos EU se chamava Sunshine.

Passei o resto do dia, perguntando, checando, me confundindo com os comandos em todas as máquinas... com muita paciência, Sunshine foi me iluminando. Nem percebi que o cronômetro ticou exatamente as 5 da tarde.

Sunshine foi para o hotel, jantar provavelmente com um dos diretores chineses do projeto. Eu voltei pra casa, curti o gato, fiz jantar e vou assitir Viver a Vida.

E me sinto feliz por trabalhar para uma empresa desse porte sem precisar estar emaranhada nos fios e tecidos humanos do dia-a-dia. Ao mesmo tempo fico um pouco frustrada em ser uma terceirizada que não consegue entender quem é quem na trama... um dia recebo tarefas do escritório no Colorado, outro dia preciso mandar relatório para Seattle com autorização assinada na Irlanda, outro dia devo pedir senhas para Beijin...

Bem, são esses os relatos de uma mulher mais ou menos jovem caída, sem querer e assim mesmo grata, nas redes globais...

Monday, April 19, 2010

Cinema e pipoca


E era nada de nem noite de negro não
E era nê de nunca mais
E era noite de nê nunca de nada mais
E era nem de negro não
Porém parece que hágolpes de pê, de pé, de pão
De parecer poder
(E era não de nada nem)
Pipoca ali, aqui, pipoca além
Desanoitece a manhã
Tudo mudou
(Caetano Veloso)

... tenho uma amiga com quem vou ao cinema umas duas ou três vezes por mês. Somos o que aqui se chama de ‘movie buddies’... Um programa bem singelo: uma caminhada, um filminho e um jantar.

Na maior parte das vezes jantamos num lugar onde pedimos ‘tapas to share’ – pequenas porções de comidinha mediterrânea: um pouquinho de salada de lulas, um outro pouquinho de azeitonas, uma pratinho de bolinhos de carne com um tantinho de arroz com açafrão. Tudo por menos de $20, fraternalmente compartilhado, já que estamos as duas vivendo com nossas restrições orçamentárias pessoais.

As vezes, quando a situação pessoal esquenta ou a fofoca da semana  convida, tomamos alguma coisa mais potente. Nessas ocasiões, ela pede um manhattan, e eu fico no vinho branco mesmo.

Ontem, o programa da caminhada antes do filme foi pro brejo, por causa da chuva de Seattle. Nos encontramos no cinema pra ver um filminho bem nada a ver: Date Night.

Dessa vez, enquanto me vestia e secava meu cabelo, resolvi fazer pipoca em casa. Eu não queria pagar $5 por um saco de pipoca comprado no cinema.  Esquentei um pouquinho de óleo de canola com um outro tantinho de manteiga, um tiquinho de orégano, joguei os grãos de milho... em menos de cinco minutos estava eu com dois super sacos de pipoca amanteigadas e deliciosas. Ah, o milho da pipoca, diz a embalagem, é orgânico. (Me pergunto como sementes de uma grama pode não ser orgânico??? Fica pra outra vez.)

Bem, no saguão do cinema encontrei minha amiga já na fila da pipoca. Eu disse a ela que eu tinha pipoca feito em casa, fresquinha, na manteiga. Ele me olhou surpresa, com olhos esbugalhados, e foi pedindo a pipoca da lojinha de porcaria. A meia voz, sussurrando mesmo, ela me disse que não se pode trazer comida de casa ao cinema. Se quizermos comer ou beber, precisamos comprar da lojinha. O olhar dela era de tanto espanto, que nem percebi quando joguei meus saquinhos de pipoca caseira dentro da bolsa.

Na bolsa, eu carregava também uma garrafinha de água de torneira da minha casa. A água de torneira aqui é bem potável e não há razão para comprar água mineral – que, de qualquer modo, deve sair das torneiras da Coca-Cola sabe-se lá da onde.

Bem, aprendi que não podemos levar a nossa água, nem pipoca, nem nada pra dentro do cinema...  Precisamos comprar tudo na lojinha. Somando o ingresso de $10 mais os $ 5 da pipoca mais os impostos,  já pagaria um bom jantar.

Bem, essa experiência toda deve ter durando uns dois minutos. Acabei entrando com a minha garrafinha de água, meu saquinho de pipoca feita em casa, pra ver um filme bem desprezível. Depois, minha movie buddy e eu acabamos a “noitada” num sushi bar ao lado do cinema.

Gente... ou estou dura, ou caindo na real da vida americana ou ficando velha e sovina. Ou, aprendendo a ser mais simples e a curtir as tardes de sábado com uma amiga, vendo filmes e fazendo fofocas gostosas e nada a ver.

Ela voltou pra casa pra continuar a caça de ‘parceiros’  nos sites que ela tanto gosta. Eu, pra terminar um livro e as pipocas.

 ...sábado que vem nos encontraremos pra mais uma rodada. Desta vez, carregando bandeiras e slogans na rua, fazendo passeata e sendo as ativistas tímidas que somos. O nome do evento é compassionate action network Seattle. http://www.compassionateactionnetwork.com/home.asp