Chegar em São Paulo, chegar em Seattle, me causa uma estranheza inicial que leva uns dias para passar. Estranhamentos que acionam um sinal de alerta, de atenção focada, como se de uma hora para a outra eu precise mudar de registro, de frequencia modular. Assim como sair de uma festa na praia e cair num bar de jazz. Alguns são agradáveis, meio que pequenas lembranças/surpresas que vem à tona sem pedir passagem. Outros, mais intensos, nervosos, medrosos.
Em Sampa fico deslumbrada com o cheiro do ar de Guarulhos; o jeito como as pessoas andam perto umas das outras, quase se encostando; a umidade nas calçadas lavadas de manhã; acompanhantes segurando o braço das senhoras no Itaim; com o gosto maravilhoso do churrasco e rúcula do quilo da esquina; da simpatia dos taxistas; sabiá avisando que sim, estou na minha terra; a batida mais forte no coração só de pensar que estarei com minha família e alguns poucos grandes amigos. Estranho o barulho. O modo confuso de se resolver problemas e o tempo de leva para fazer coisas simples. Me espanto com o medo contagiante sentido pelas pessoas, com a desconfiança do outro.
Em Seattle também fico deslumbrada quando chego. Me encanta a beleza da cidade, a limpeza. Um fluir tranquilo, um tanto sério, sem tanta pele se enconstando, sem tanto sorriso espontâneo, mas sempre gentil. Corvos e gaivotas no lugar dos sabiás e bem-te-vis. Uma espécie de sozinhice zen como pano de fundo parece ser uma constante nesse estranhamento inicial. Tem também o prazer de estar no meu canto e cozinhar para mim mesma e para amigos. A natureza me encanta, mesmo na chuva. Cheiro de verde e musgo. E, aparece uma certa urgência em colocar a vida em dia e recomeçar algum tipo de rotina que possa me ancorar, reconectar com as pessoas mais chegadas. A emoção gostosa de me sentir um pouco mais perto das meninas, mesmo que eu não as veja com frequência.
Mas o estranhamento maior é a sensação de pertencer e não pertencer a nenhum dos dois lugares. Um flutuar que me desconcerta, me libera e melancoliza ao mesmo tempo. Um flutuar que passa com os dias, vou aterrisando devagarinho como uma folha que cai na água... pode ser o Tietê, pode ser o Greenlake, cada qual me leva por caminhos, sensações, paisagens e vivências diferentes.