Café na caneca, domingo amanhecendo devagar e lindo.
Como de hábito, faço a ronda dos jornais que gosto de ler, visito alguns dos colunistas/blogueiros preferidos.
Um deles é João Ubaldo, que na Folha de hoje, disse em palestra no Flip, que ‘somos uma especiezinha muito criticável’. Essa pequena e melancólica frase apareceu com outras roupagens em muitos outros cantos. Inclusive num ‘share’ do Ricardo no FB, apontando para um artigo do Ricupero sobre o mal estar da época. Fecho os jornais, ponho os tijolos de lado e mudo de estação.
Checo a situação planetária do dia: lua em escorpião, urano retrógrado e por ai vai. Mudo de estação de novo; saio na varanda pra ver o lá fora. Observo que meu tomateirinho está quase da minha altura e cheio de tomatinhos; os gerânios explodem em vermelho (que puta energia dar tanta flor assim!!!!); as gaivotas, corvos, e outros passarinhos que pra mim não tem nome, fazem o que fazem sempre quando o dia amanhece.
No prédio ao lado tem um jardim que está tomando uma forma bonita. O dono do jardim é um cara, Huck, que deve ter sido hippie, marinheiro, soldado abatido em alguma guerra maluca, sócio de algum joint de tatuagem, presidiário, pastor evangélico e professor de kung fu. Além disso, é feio daquela feiura difícil de transcender. Mas como vizinho, é sempre simpático e sorridente, dá bom dia e tal.
Mudou-se para o apartamento ao lado mais ou menos na mesma época que eu – uns 4 anos atrás. Huck, no início, bem ensimesmado. A feiura dele se espalhava pelo jardim do apartamento como rede de pesca velha, musguenta, boias cobertas de algas. À noite, ficava ele sozinho naquela bagunça imunda, olhando o nada. Parecia ser a triste encarnação do mal da época com seus olhos perdidos, pele maltratada por agulhas e balas, sem rumo, sem beira... só fundo perdido.
Um dia, algum benéfico planeta ou anjo passou pelo quintal dele. Uma mulher muito bonita apareceu no jardim, do tipo harleyra reformada. Eu, vizinha maldosa, logo me perguntei o que uma mulher tão linda estaria fazendo lá com um cara tão fim de linha?... E ela foi ficando, ficando. Um ficar gentil, sem alarde, pincelando cores aqui e ali, enterrando a rede de pesca puída, abrindo espaços para mais luz.
Dois anos se passaram. Hoje o jardim está transformado: flores, ervas perfumadas, hortinha, caminhos de pedra, fonte de água para os passarinhos, churrasqueira, cadeiras e mesinha, amigos pro happy hour, sons de risos e boas histórias. Tem até um cachorrinho.
Huck sorri um enorme bom dia, ajeita a calça do pijama pra cobrir as tatuagens na bunda, trocamos palavras e idéias sobre os nossos respectivos jardins.
Não sei a cura dos problemas do mundo, faz tempo que baixei a crista e desisti de querer mudá-lo. Não nego que, sim, sinto no clima geral um desânimo, um certo mal de época Mas, nesse domingo bonito, prefiro mudar de estação e ver amigos, gente, amores, carinhos como a prova diária de que, embora possamos ser ‘criaturinhas criticáveis’, somos também todas as outras cores na paleta. Se não conseguimos mudar a tela do mundo, que tal pintar o nosso quintalzinho? De preferência, aceitando e reconhecendo a ajuda incondicional de alguns planetas amorosos que, junto com os outros menos suaves, vão dançando conosco afora.