Há um mês, acidentalmente, consegui um trabalho novo. Um trabalho de tradução/revisão do sistema operacional das máquinas de ultrasom de uma empresa líder do mercado. Digo acidentalemente porque acho mesmo que eles não conseguiam achar alguém com o meu perfil na região de Seattle. Por perfil quero dizer muita paciência. Aceitei mais por ser um trabalho frila de longo prazo, com bastante flexibilidade e bem pago.
Na primeira vez que fui ao “laboratório” da companhia, fui treinada por uma tradutora italiana sênior. Nosso supervisor era um coreano jovem, impaciente do tipo que cronometra o progresso (lento, no meu caso) durante as 8 horas precisas que temos que estar trabalhando no projeto. Nem um minuto a mais, nem um segundo a menos. As máquinas de ultrasom onde trabalhamos também nos cronometram. São duas máquinas idênticas: uma - dessa mesmo que o pessoal usa nas clínicas e hospitais - toda programada em inglês. A outra, programada em português.
O trabalho consiste em verificar se cada janelinha, botãozinho, instrução, comando, etc., está corretamente traduzido. Muitas das pré-traduções foram feitas por tradutores na Europa, no Brasil, na China e nos sites/programas de tradução. Samba do criolo doido... cronometrado.
Esta semana minha supervisora é uma jovem chinesa, que mal fala inglês. É a segunda vez que ela vem para os EU para supervisionar o trabalho da equipe de tradutores espanhois, portugueses, franceses, italianos, dinamarqueses, japoneses, coreanos, entre outros.
Sim, ela mal fala inglês e é bem difícil entender o que ela diz. Deve também ser difícil para ela entender o que eu digo... primeiro, porque eu sou nova no projeto e tenho montes de perguntas bem básicas; segundo, porque eu uso um PC e ela usa um não sei o quê chinês... e as máquinas não se comunicam; terceiro, porque tem uma onda de fofoca no ar que eu não consigo decifrar. Só aos poucos, no restaurante da empresa, ou nos corredores, vou aprendendo as nuances e politicagens.
As 9 da manhã, 30 minutos depois do cronômetro começar a ticar, aprendi rapidinho que ela pode não falar nenhuma língua além do mandarim, mas ela conhece o programa que temos que verificar de olhos fechados. Ela disse que o software foi feito pela empresa chinesa e ela é uma das engenheiras de programação. Perguntei seu nome... ela disse que nos EU se chamava Sunshine.
Passei o resto do dia, perguntando, checando, me confundindo com os comandos em todas as máquinas... com muita paciência, Sunshine foi me iluminando. Nem percebi que o cronômetro ticou exatamente as 5 da tarde.
Sunshine foi para o hotel, jantar provavelmente com um dos diretores chineses do projeto. Eu voltei pra casa, curti o gato, fiz jantar e vou assitir Viver a Vida.
E me sinto feliz por trabalhar para uma empresa desse porte sem precisar estar emaranhada nos fios e tecidos humanos do dia-a-dia. Ao mesmo tempo fico um pouco frustrada em ser uma terceirizada que não consegue entender quem é quem na trama... um dia recebo tarefas do escritório no Colorado, outro dia preciso mandar relatório para Seattle com autorização assinada na Irlanda, outro dia devo pedir senhas para Beijin...
Bem, são esses os relatos de uma mulher mais ou menos jovem caída, sem querer e assim mesmo grata, nas redes globais...
1 comment:
Oi Tia Me!
Que curioso é esse mundo do centro do mundo. Se aqui a gente sente reflexos globais e achamos muita coisa, aí é o negócio é intensivo.
Viver a Vida? Ai, ai.
Rsrsrs!
Um beijo.
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