Saturday, December 13, 2014

Nas arábias

Quem sabe de mim, sabe que me sinto mais viva em terras novas e em situações onde aprendo como ver e sentir nuances culturais. Acabei de chegar, estou viva e tão confusa!


Aqui, em Abu Dhabi, a nuance me vem como tijolada ... envolta de véus aveludados, negros e brilhosos, salpicada de lua árabe leitosa abraçando edifícios de vidro e cimento rosa salpicados com  andaimes e telas de construção. De manhã, ouço uns periquitos e pombas tentando entender o que está acontecendo nessa ilha desértica onde o som primordial e diurno parece ser de máquinas, serras elétricas, britadeiras.

Estou aqui há tres dias ... não estou entendendo nada, o calor me dá preguiça e uma certa clareza de que  experiências passadas como língua para ‘interpretar’ as coisas não vão me servir pra nada. 

Estou num estado alterado de percepção que me enche de perguntas. (Rapidinho, algumas pessoas vão me dizendo que essas perguntas não serão ouvidas, nem respondidas em quatro semanas.)

Perguntas do tipo:
 ‘o quê, exatamente, esses homens todos rezam/dizem cinco vezes por dia, prostrados no chão, no meio da rua, na frente das mesquitas?’

‘o quê se passa na cabeça coberta por burka simples, ou coberta de lantejoulas e brilhos, num corpo, também coberto, pelo shopping esplendoroso com banners de modelos semi nuas?’

‘como será que o povo local, minoritário, percebe essa onda de gente branca, cinza, azeitona ocupando tudo?’

‘cadê as crianças de pais que não podem pagar pelos serviços das babás filipinas?’

‘onde moram os garotos e homens que constroem esse lugar sob o sol escaldante e que ganham uns 8 dólares por dia?

‘como se sentem as pessoas que entram no mar azulérrimo e morno/quente em praias públicas limpérrimas e separadas por paredes de fibra de coco das outras praias privadas onde se pode usar maiô e mostrar o corpo?’

Com a mente cheia de perguntas sobre gente da terra, vou pegando a onda do evento do festival de cinema. Minha primeira (e triste) impressão, trata-se de um  voo de egos (flight os the egles) sobre a carniça dos artistas e criadores espalhados por esta parte do planeta.

Ontem a noite fui a um jantar de confraternização para o staff do festival de cinema. Jantar simples, feito em casa, muito simpático. Sentei num sofá, e com minha tímidez de sempre, acabei batendo um papo com um ‘local’ – filho de pai alemão e mãe indiana cristã.

Pergunto: ‘Você fala árabe?’
Ele: ´Quem precisa de árabe aqui quando todos os serviços são em inglês?’
Pergunto: ‘Você nasceu aqui... entende o árabe?”
Ele num sorriso amendoado e moreno – camisa fechada até o pescoço – suando e fumando um tabaco local: ‘Nasci e fui criado em escolas americanas. Meu nome é Heinz. Nem ler árabe eu sei, nunca precisei. Nasci aqui mas não sou daqui’

(Voltei pra casa querendo entender isso aí que ele falou...)

***

As mulheres do mundo do festival decidiram se preparar para as festas. Até agora, todas as mulheres que conheci são de outros países. As mais carimbadas vem de Cannes ou Toronto.  Apesar das origens, experiências, histórias e línguas, nos encontramos num território muito comum entre as mulheres do mundo todo. Território? Melhor dizer, terreiro de penosas.

Algumas penosas experientes dizem que é impossível competir com o charme, elegância, sensualidade e sex appeal  das as mulheres do Egito.
Ontem, passamos a tarde num shopping “popular” – expatriados, destituidos e tristes homens sob as poucas árvores na calçada, burkas e túnicas andando pelos corredores. Um shopping sem as grifes, mas com lojas de tecidos deslumbrantes. Compramos alguns tecidos e experimentamos o gostinho da barganha e charme desse comércio controlado por ‘gente de fora’, gente que fala inglês, mas é estrangeiro. Imigrantes sob as esquálidas árvores e no shopping 'non locals, vendendo tecidos lindos!

Hoje, com nossas sacolas de pano e modelos do armário da elengantérrima Nagila, fomos ao alfaiate de madames estrangeiras e madames locais. Pensei tanto nos artesãos do nosso país, nessa arte da costura, bordado, tecelegam, alinhavo, que está se perdendo nas máquinas e na impessoalidade. Fomos recebidas pelo alfaiate simpático, sabedor do riscado. Seus ajudantes/sócios/flhos/sobrinhos por trás de máquinas de costura manuais, num calor danado, ocupados, trabalhando.

Num misto de inglês, francês, árabe e sei mais o que se foi falado, acabamos encomendando as nossas roupas para o ‘Opening’ ceremony. Roupas que serão feitas por artesãos locais, costureiros tradicionais. Quem faz parte desse mundo de festivais de cinema, encomendaram modelitos para competir com ‘as stars do Egito’. Eu, que não sou desse mundo, nem nunca vi tapete vermelho, nunca vi as estrelas do Egito, que vivo do meu próprio orçamento bem simplesinho, aceitei de bom grado as dicas mineiras (e económicas) da Nágila. Simples, mas vou estar brilhosa. Acabamento perfeito pelas mãos dos artistas/artesãos.



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