Sunday, September 20, 2009

Brasil me confunde


Na cozinha amarela da rua da Mata, enquanto esperava o taxi pro aeroporto, deixei um recado no facebook dizendo que estava de partida e me sentia um pouco sombria.

Nan, em Salt Lake, sempre amiga, me perguntou o que me deixava sombria... no percurso das duas horas até Guarulhos, fiquei pensando na pergunta dela... a minha conclusão, em trânsito, é bem banal: o Brasil me deixa confusa. Ou, posso estar tendo um ataque de desamor ou carência. Os sintomas são claros:

Amargura...

Estou na minha terra natal há duas semanas. Cada minuto dessa aventura, desse re-encontro, me encanta e desencanta. O alegre e hospitaleiro sorriso brasileiro é muito real e autêntico... O alegre e hospitaleiro sorriso brasileiro é criativo, jeitoso e muito triste. Quase patético, se dermos ouvidos aos noticiários da midia.

Desesperança...

Ano passado, nos orgulhávamos das alternativas sustentáveis... dos avanços modelares no uso de combustíveis alternativos. Hoje, precisamos engolir o pré-sal, o Lula abraçando Collor e Sarney para abrir alas para Dilma.... hoje queremos abraçar Marina Silva, amazonense que rodou a bahiana, quebrou regras e muralhas, abriu novas portas... mas que precisa urgentemente se mudar o visual evangélico para pisar no gramado do planalto decadente e coronelista, ah precisa.

Cinismo...

Sem medo de São Paulo, ando por aí, vendo a miséria urbana de frente ao som alegre do sabiá. (Passei quase dois meses na Bahia vivendo esse mesmo impasse). Sinto uma coisa estranha, sem nome mas impotente, suavizada por um sorriso, uma comidinha e outra, um brilho no olhar, um gesto carinhoso, um abraço...

Ando sem medo, mas tudo parece querer meter medo na gente. O sinistro enjoa.

♦ Motoristas frenéticos apressados (atrás do volante esquecem o que é ser pedestre);
♦ Noticiários nacionais e locais onde a boa notícia é terror e violência... (cadê as coisas maravilhosas que acontecem por aqui?);
♦ Minha bolsa é amarrada à cadeira num restaurante nos jardins onde, só na entrada, passo por no mínimo tres seguranças enormes (me disseram que faz parte do atendimento ao cliente);
♦ A empresa onde minha amiga trabalha paga taxi aos funcionários que precisam trabalhar hora extra a noite;
♦ Falei com pessoas que, por precaução, não aproveitam os diversos eventos culturais noturnos da cidade (falei com outras que curtem a vida noturna... Ufa!)
♦ Minha irmã quase teve uma síncope quando teve que ficar cinco minutos dentro do carro parada na rua;
♦ Beijar filha de pele escura dá cadeia, e ser pedófilo de 78 anos, não;
♦ Contar que meu prédio em Seattle não tem porteiro, nem tranca, nem segurança, nem vídeo causa espanto em alguns paulistas.

Agarrando os salva-vidas...

Mas nem tudo é como o mundo cão que a mídia gosta de mostrar...

♦ uma centena de meninas em Salvador comeram hoje graças a duas mulheres e suas turmas engajadas;
♦ ainda enconta-se verduras e frutas simples e deliciosas... com sementes até!
♦ minha irmã re-descobriu o amor;
♦ artistas deixam suas marcas nas paredes, nas escolas, no facebook, nas almas dos interlocutores;
♦ pessoas leem livros nos ônibus apinhados;
♦ sobrinhos começando suas trilhas pessoais;
♦ novas e gostosas amizades em sampa feitas nos EU via amazônia brasil;
♦ um ex-marido agora amigo dos mais queridos;
♦ a gentiliza das pessoas na rua;
♦ o sorriso desdentado do padeiro
♦ ... e o sempre alegre sabiá.

Ai, ai... o Brasil sempre me deixa um pouco confusa.

2 comments:

Unknown said...

É isso aí, maninha, não esquenta não. Não te cabisbaixe. O Brasil é isso aí mesmo cheio de contrastes, contradições e paradoxos. Quem vive nele sente tudo isso, mas já tem um antídoto, a própria vidinha que vai tocando... Tem seu lado bom, como vc mesmo disse, o sabiá tá sempre lá na primavera e não tá nem aí para o aquecimento global e o terrorismo do noticiário. É só não se contaminar pela mídia, nem com a naurose das pessoas.Mas concordo que podia ser melhor...

Selene Cruz said...

é isso ai Mel, o Brasil também me confunde e me entristece, por isso vou embora!chega de tentar entender, de procurar desculpas, de fingir que não vê.....eu vejo sim, sinto tudo isso que vc falou e muito mais e cansei, cansei e desisti...queria ter descoberto o antidoto do Ju, mas não consigo ter esse lado poetico, esse jeito zen de ver as coisas e a vida que acho bacana mas não está em mim. Quero andar na rua sem medo, quero não ter grades nas janelas, quero dormir em paz enquanto meu filho está na rua com os amigos! pra mim realmente chega.