Saturday, December 18, 2010

Escabeche de peixe

Dia lindo ontem, resolvi dar um pulo no supermercado mais legal daqui. É um mercado asiático, no centro da cidade, onde a gente encontra de quase tudo. Até jaca!
Bem, não fui por causa da jaca e sim para comprar peixe pra fazer um escabeche. Achei tres linguados pequenos e super frescos. Achei também bacalhau, que pretendo levar para Salt Lake pra fazer uma bacalhoada pra Cati.
As 7 da manhã, resolvi entrar na cozinha...

Piquei umas cebolas brancas e roxas, bem fininho. Piquei a única cenoura que tinha na geladeira. Laminei tres dentes de alho. Esquentei um tanto de azeite, onde coloquei alguns grãos de zimbro, duas folhinhas de louro, uma mistura de sementes de coentro e casca de laranja seca em pó. Quando o cheirinho estava gostoso, joguei as cebolas e a cenoura, que deixei cozinhar um pouco antes de jogar uma colherzinha de vinagre de maçã. Desliguei o fogo.

Depois, temperei os peixes com sal e pimenta e os passei em farinha de rosca. Acho que farinha de trigo teria dado mais certo. Esquentei óleo na frigideira e fritei os peixes.

Quando prontos, foram colocados num prato fundo e regados com o molho do azeite e cebola. Vai ficar marinando algumas horas. Esse será meu almoço, acompanhado de saladinha de alface, tomate e aspargos grelhados, e um pedaço de baguette.

***

Almoço delicioso mesmo! Na próxima vez, vou preferir um peixe com mais personalidade, como sardinha. O toque da casca de laranja e o zimbro deu ao peixe leve um aroma especial, muito harmonioso. Acho que não funcionaria com sardinha, que talvez peça um tipo de aroma mais pungente. Pimentão? O alho laminado deu um toque especial... afinal, o alho apareceu com sua grandiosidade e sabor. (Por que será que a gente tem mania de picar e pisotear o alho até ele ficar escondido, dissolvido? Laminado ele fica bonito, visível, crocante...)

Agora, preciso aprender a tirar fotos de comida. Tem muita técnica que desconheço. De qualquer forma, se algum de vocês quiser fazer uma refeição leve, barata, gostosa e saudável, essa é uma boa opção.

Tuesday, October 5, 2010

Terça, postando reflexões da sexta passada...

Dessa vez, fotos só no link to picasaweb... http://picasaweb.google.com/mcsxii/AbuDhabi#5524385608210783858

Sexta, dia santo. Tudo fica fechado até as 4 da tarde. Então, Nagila e eu aproveitamos o trânsito tranquilo da cidade para visitar alguns lugares chave para o festival de cinema. (Sou eu quem está dirigindo... um bom jeito de conhecer um lugar.)

Começamos visitando o mercado de peixes no cais dos barcos (dhows) pesqueiros. Um cheiro de matar qualquer um, mas os peixes pareciam vivos de tão frescos. Fiquei sem jeito de tirar fotos, dada a autencidade do lugar...

Pra refrescar e conhecer algumas das salas de cinema que serão usadas durante o festival, fomos ao shopping Marina, que dá vista linda para a cidade. Conferimos também os restaurantes e cafés do shopping pra eu saber onde levar os jurados entre um filme e outro. Como agora é a estação de outono, modelitos para o inverno nas lojas: botas, casacos, malhas, tudo em tons de preto e cinza. Não consigo imaginar usar essas roupas quando a temperatura lá fora é de 39º!

Visita ao Hotel Emirates Palace, onde ficarão os nossos escritórios a partir do meio da semana que vem. O lugar é absolutamente, absurdamente, vergonhosamente metido. Até a porta do elevador é de ouro! Pétalas de rosas (vai saber o carbon print de cada flor) lindamente espalhadas pelas pias do banheiro. No site do hotel, se vangloriam de serem “verdes”. Sem preocupação com o politicamente correto fico pensando que verdes são os dólares que eles gastam em ar condicionado e eletricidade num hotel como esse.

Li no jornal local que o lixo per capita dos Emirados é tres vezes superior ao dos EUA... e programas de reciclagem? Bem estão tentando resolver o problema.... por enquanto, jogam tudo nas areias do deserto. Bem, há um projeto piloto que conta com os semi-escravos indianos.

Confesso que continuo em estado confuso, quase de choque. Tanta opulência por um lado, tanta idolatria/adoração pelos criadores do projeto de desenvolvimento dos emirados, tantos estrangeiros de multinacionais cabaleantes e inseguras, tanta promoção/marketing de miragens mirablolantes nas areias... por outro lado, o de sempre... imigrantes paupérrimos, tomando chá nas calçadas, longe das famílias, em roda aproveitando o ar modorrento do final da tarde pra, ao que parece, fugir dos bunkers/dormitórios que servem como moradia comunitária. Ou mães filipinas trabalhando como manicures pra sustentar filhos na terra natal.

Olho sem tecer julgamento – afinal, nem a língua entendo quanto menos as nuances do tecido social. Mas que meu coração aperta, aperta... sem entender muito o porquê.

Friday, October 1, 2010

ainda em Abu Dhabi


Post sem fotos... algumas coisas são bloqueadas nos Emirados. Skype pra telefone e, às vezes, alguns downloads...

Aqui a semana começa no domingo. Então, hoje foi meu primeiro dia de trabalho no festival de cinema local.

Uma equipe de umas 200 pessoas de várias nacionalidades e diversas línguas, experiências profissionais também diversas, espalhadas por escritórios num teatro absolutamente magnífico no meio do nada. Esse ‘nada’ era pra ser alguma coisa esplendorosa – com villas, shopping, campos de golf e outras coisas do mundo esplendoroso – e virou nadinha mesmo depois do colapso econômico. Um monte de casas vazias (que dois anos atrás eram alugadas por mais de $100.000/ano), construções, auto-pistas que não levam a lugar algum, um shopping quase vazio e, claro, esse teatro enorme que cede, de graça, seu espaço para a organização do festival.

Uma equipe que reune conhecimento humano de enorme valor, histórias e experiências, que passa boa parte do tempo re-organizando o que foi organizado duas horas atrás e ‘touching base’ no fumódromo.

Mas, foi meu primeiro dia trabalhando para um festival que vai acontecer, de fato, daqui a tres semanas. Um tempo enorme, espaço quase infinito para muitos milagres... Como, por exemplo, saber exatamente quais os filmes que serão apresentados, resolver que tipo de ingresso será impresso, quem faz parte do juri, quem é VIP e quem não é... e um montão de outros pequenos detalhes que, por serem confidenciais, não são compartilhados com a galera... como sou uma das pessoas da galera as orientações de trabalho vem a conta-gotas.

De qualquer modo resolvi, por conta própria, ter um pequeno projeto de pesquisa. Estou então googleando/pesquisando/o trabalho de todos os cineastas, produtores, diretores que estarão presentes no evento.

Meu primeiro dia de trabalho foi moroso no meio do deserto, mas muito, muito interessante mesmo, vendo/lendo/pesquisando/aprendendo sobre a perspectiva das pessoas do oriente médio.
Vendo o areial e sentindo o calor... mulher tropical que sou, começo a tecer entendimentos (iniciais e falíveis, óbvio) sobre a razão de tudo que é  ‘pra dentro do muro/véu/areial’ ser tão brilhante e dourado.


Saturday, September 25, 2010

Aventuras em Abu Dhabi


Não há coisa mais instigante, inspiradora e emocionante do que cair de quatro num mundo humano diferente. Quem sabe de mim, sabe que me sinto mais viva em terras novas situações onde aprendo como ver e sentir nuances culturais.

Aqui, em Abu Dhabi, a nuance me vem como tijolada ... envolta de véus aveludados, negros e brilhosos, salpicada de lua árabe leitosa abraçando edifícios de vidro e cimento rosa carregados com  andaimes e telas de construção. De manhã, ouço uns periquitos e pombas tentando entender o que está acontecendo nessa ilha desértica onde o som primordial e diurno parece ser de máquinas, serras elétricas, britadeiras.

Estou aqui há tres dias ... não estou entendendo nada, o calor me dá preguiça e claro está que vai levar um tempão pra começar a entender o mínimo. Estou num estado alterado de percepção que me enche de perguntas. (Rapidinho, algumas pessoas vão me dizendo que essas perguntas não serão ouvidas, nem respondidas em quatro semanas.)

Perguntas do tipo:
 ‘o quê, exatamente, esses homens todos rezam/dizem cinco vezes por dia, prostrados no chão, no meio da rua, na frente das mesquitas?’

‘o quê se passa na cabeça coberta por burka simples, ou coberta de lantejoulas e brilhos, num corpo, também coberto, pelo shopping esplendoroso com banners de modelos semi nuas?’

‘como será que o povo local, minoritário, percebe essa onda de gente branca, cinza, azeitona ocupando tudo?’

‘cadê as crianças de pais que não podem pagar pelos serviços das babás filipinas?’

‘onde moram os garotos e homens que constroem esse lugar sob o sol escaldante e que ganham uns 8 dólares por dia?

‘como se sentem as pessoas que entram no mar azulérrimo e morno/quente em praias públicas limpérrimas, separadas por paredes de fibra de coco das outras praias privadas onde se pode usar maiô e mostrar o corpo?’

Com a mente cheia de perguntas sobre gente da terra, vou pegando a onda do evento do festival de cinema.

Ontem a noite fui a um jantar de confraternização para o staff do festival de cinema. Jantar simples, feito em casa, muito simpático. Sentei num sofá, e com minha tímidez de sempre, acabei batendo um papo com um ‘local’ – filho de pai alemão e mãe indiana cristã.

Pergunto: ‘Você fala árabe?’
Ele: ´Quem precisa de árabe aqui quando todos os serviços são em inglês?’
Pergunto: ‘Você nasceu aqui... entende o árabe?”
Ele num sorriso amendoado e moreno – camisa fechada até o pescoço – suando e fumando um tabaco local: ‘Nasci e fui criado em escolas americanas. Meu nome é Heinz. Nem ler árabe eu sei, nunca precisei. Nasci aqui mas não sou daqui’

(Voltei pra casa querendo entender isso aí que ele falou...)



***

As mulheres do mundo do festival decidiram se preparar para as festas. Até agora, todas as mulheres que conheci são de outros países. As mais experientes vem de Cannes ou Toronto.  Apesar das origens, experiências, histórias e línguas, nos encontramos num território muito comum entre as mulheres do mundo todo. Melhor dizendo, terreiro de penosas. Algumas penosas experientes dizem que é impossível competir com o charme, elegância, sensualidade e sex appeal  das as mulheres do Egito.


Ontem, passamos a tarde num shopping “popular” – expatriados, destituidos e tristes sentados sob as poucas árvores na calçada, burkas e túnicas andando pelos corredores. Um shopping sem as grifes, mas com lojas de tecidos deslumbrantes. Compramos alguns tecidos e experimentamos o gostinho da barganha e charme desse comércio controlado por ‘gente de fora’, que se comunica em inglês.

Hoje, com nossas sacolas carregadas de tecidos e modelos do armário da elengantérrima Nagila, fomos ao alfaiate de madames estrangeiras e madames locais. Pensei tanto nos artesãos do nosso país, nessa arte da costura, bordado, tecelegam, alinhavo, que está se perdendo nas máquinas e na impessoalidade. Fomos recebidas pelo alfaiate simpático, sabedor do riscado. Seus ajudantes/sócios/flhos/sobrinhos por trás de máquinas de costura manuais, num calor danado, ocupados, trabalhando.

Num misto de inglês, francês, árabe e sei mais o que se foi falado, acabamos encomendando as nossas roupas para o ‘Opening’ ceremony. Roupas que serão feitas por artesãos locais, costureiros tradicionais. Quem faz parte desse mundo de festivais de cinema, encomendaram modelitos para competir com ‘as stars do Egito’. Eu, que não sou desse mundo, nem nunca vi tapete vermelho, nunca vi as estrelas do Egito, que vivo do meu próprio orçamento bem simplesinho, aceitei de bom grado as dicas mineiras (e econômicas) da Nágila. Simples, mas vou estar brilhosa. Acabamento perfeito pelas mãos dos artistas/artesãos.


Sunday, July 25, 2010

Auto descoberta domingueira


Domingo lindo, ensolarado, azul. Na mesa da sala dou uma olhada no to do list de hoje... Mando uma mensagem pra Gabi, e deixo o resto pra mais tarde.

Começo o dia de um jeito simples, com uma salada de frutas colorida feita ontem. Resolvi deixar a cama desfeita. Temperatura amena, perfeita para dar uma caminhada no parque aqui perto de casa. Quem sabe, sentar sob uma árvore e ler meu livro ou dar uma cochilada?

Começo a trilha que dá a volta no parque. São 4.5 kilometros pela mata frondosa, árvores centenárias, samambaias verdíssimas, esquilos e passarinhos. Como ainda era meio cedo, caminho por teias que as aranhas teimam em tecer pela trilha durante a noite.

Me disseram que, em alguns lugares, havia muitas framboesas maduras. Saio a cata das frutinhas na primeira oportunidade e com isso saio da trilha. Tranquila, pois afinal passeio por esse parque desde que me mudei para esse bairro há três anos. Os passos dos corredores, dos velhinhos, das crianças, dos cachorros vão sumindo na mata. Que delícia!

E, feito criança encantada em corpo maduro, percebo que estou fazendo o que sempre faço: saio da trilha, buscando isso ou aquilo e, em pouco tempo, estou pateticamente perdida em terreno conhecido. Isso acontece sempre: quando dirijo, quando ando, quando visito, quando exploro, quando dou a volta no quarteirão. Uma amiga diz que sofro de dislexia de orientação.  Já me ensinaram um milhão de vezes como me orientar pela posição do sol, e aqui todas as placas se referem ao sul, ao norte, ao leste ou oeste. Acho que vou morrer sem aprender essa lição básica. Hoje fui seguindo os sinais das framboesas e, em pouco tempo, não tinha a menor idéia de onde estava. Olhei pra copa das árvores procurando o sol, tentando lembrar as lições básicas. Uma vozinha na minha mente dizia que tudo estava tranquilo, era só seguir a trilha estreita que eu chegaria em algum lugar. “Afinal”, dizia essa minha vozinha tão conhecida, “você só está fazendo um desvio”.

De fato, uma hora e meia depois e juntas bem doloridas, chego à trilha principal. Na verdade, numa encruzilhada, com placas em todas as direções (que não me dizem muita coisa). 

Ando mais uma hora, dessa vez sem sair da trilha que faz um loop pelo parque e chego ao meu destino, finalmente. Pois é, o destino acabou sendo meu carro que me levaria pra casa. O cochilo sob a árvore vai ficar para outra vez.

O fato é que, apesar de todas as placas, mapas, trilhas bem estabelecidas, de todos os sinais naturais, da posição infalível do sol, eu sempre acabo me perdendo... e me achando. Hoje, revivi a metáfora no Discovery Park.

PS Chego em casa sem as framboesas, mas com vontade de contar essa história...

Saturday, May 8, 2010

Sol dá bobeira



É curioso que bastam dois dias ensolarados em Seattle e me esqueço dos quase 9 meses de frio e céu cinzento que tanto deixam as pessoas abatidas nessas terras do norte.

Sol em Seattle é um convite aberto para preparar alcachofras assadas, retornar ligações, comprar aspargos e melancia, abrir as janelas e sair dançando uma salsa pela sala. Fazer salada com salmão defumado dessas águas gélidas.

Dia de sol é dia de acordar cedo, fazer uma caminhada, dizer bom dia aos vizinhos. Pegar uma aulinha de dança afro, rolar de rir com outras pessoas acertando e errando os passos. É dia de caminhar bem devagar pra prestar atenção às flores e folhas novinhas que se preparam pra maravilhosa orgia da primavera.


Dia de sol em Seattle é dia de ver gente feliz, braços de fora, cachorro na coleira, preparando piquenique no parque ou na praia. Tudo fica simples, colorido, fácil, engraçado. Os mais saidinhos saem fantasiados de vaso, pirata, dançarina. Outros, mais radiciais, ainda pegam prancha ou ski no resto de neve nas montanhas. Tem gente que pesca nos lagos urbanos, que de peixe nada tem... ficam lá, tomando sol olhando o anzol, encantados. Os primeiros dias de sol aqui dão uma certa bobeira. Bobeira boa, encantada.

Por serem meio raros por aqui, os dias de sol puro e céu azul são como dias de dar e receber presentes.

Monday, May 3, 2010

Esperando milagres



 O gato da Gabi, que ainda mora comigo, tem a mania de brincar e subir nas cortinas quando eu fico fora de casa por muito tempo.

Voltei esta tarde pra ver que as duas cortinas da sala tinham desabado.  Pano e varas espalhados pelo chão. O gato, satisfeito, dormia nos panos.

Olhei os buracos dos parafusos na parede e saquei logo que eu precisaria de uma furadeira – e know-how pra fazer o treco funcionar . Não tenho nem um nem outro. Confesso que tive um lampejo melanino de esperança: talvez se eu lavar as cortinas a questão do buraco na parede se resolva por si só. É um jeito estranho é  de procastinar.

Olhei para as cortinas no chão com desânimo. Tirei todas as argolas e pus as cortinas na máquina de lavar. Pelo menos tenho uma máquina de lavar e paciência para costurar as argolas de volta.

De manhã, entro na sala e lá estão as cortinas limpas e a parede esperando os parafusos e os suportes. A luz do sol entra iluminando tudo. Bem bonito. Resolvo sair e deixar o assunto cortina para outra hora. Quem sabe quando eu voltar elas estejam recolocadas...por um anjo, talvez?

#
 Pois, é... acabei arrumando as cortinas sozinha. Mas um anjo me emprestou uma furadeira! Adquiri o know-how na marra mesmo.

Tuesday, April 20, 2010

trabalho de formiga no mundo global


Há um mês, acidentalmente, consegui um trabalho novo. Um trabalho de tradução/revisão do sistema operacional das máquinas de ultrasom de uma empresa líder do mercado. Digo acidentalemente porque acho mesmo que eles não conseguiam achar alguém com o meu perfil na região de Seattle. Por perfil quero dizer muita paciência. Aceitei mais por ser um trabalho frila de longo prazo, com bastante flexibilidade  e bem pago.

Na primeira vez que fui ao “laboratório” da companhia, fui treinada por uma tradutora italiana sênior. Nosso supervisor era um coreano jovem, impaciente do tipo que cronometra o progresso (lento, no meu caso) durante as 8 horas precisas que temos que estar trabalhando no projeto. Nem um minuto a mais, nem um segundo a menos. As máquinas de ultrasom onde trabalhamos também nos cronometram. São duas máquinas idênticas: uma - dessa mesmo que o pessoal usa nas clínicas e hospitais - toda programada em inglês. A outra, programada em português.

O trabalho consiste em verificar se cada janelinha, botãozinho, instrução, comando, etc., está corretamente traduzido. Muitas das pré-traduções foram feitas por tradutores na Europa, no Brasil, na China e nos sites/programas de tradução. Samba do criolo doido... cronometrado.

Esta semana minha supervisora é uma jovem chinesa, que mal fala inglês. É a segunda vez que ela vem para os EU para supervisionar o trabalho da equipe de tradutores espanhois, portugueses, franceses, italianos, dinamarqueses, japoneses, coreanos, entre outros.

Sim, ela mal fala inglês e é bem difícil entender o que ela diz. Deve também ser difícil para ela entender o que eu digo... primeiro, porque eu sou nova no projeto e tenho montes de perguntas bem básicas; segundo, porque eu uso um PC e ela usa um não sei o quê chinês... e as máquinas não se comunicam; terceiro, porque tem uma onda de fofoca no ar que eu não consigo decifrar. Só aos poucos, no restaurante da empresa, ou nos corredores, vou aprendendo as nuances e politicagens.

As 9 da manhã, 30 minutos depois do cronômetro começar a ticar, aprendi rapidinho que ela pode não falar nenhuma língua além do mandarim, mas ela conhece o programa que temos que verificar de olhos fechados. Ela disse que o software foi feito pela empresa chinesa e ela é uma das engenheiras de programação. Perguntei seu nome... ela disse que nos EU se chamava Sunshine.

Passei o resto do dia, perguntando, checando, me confundindo com os comandos em todas as máquinas... com muita paciência, Sunshine foi me iluminando. Nem percebi que o cronômetro ticou exatamente as 5 da tarde.

Sunshine foi para o hotel, jantar provavelmente com um dos diretores chineses do projeto. Eu voltei pra casa, curti o gato, fiz jantar e vou assitir Viver a Vida.

E me sinto feliz por trabalhar para uma empresa desse porte sem precisar estar emaranhada nos fios e tecidos humanos do dia-a-dia. Ao mesmo tempo fico um pouco frustrada em ser uma terceirizada que não consegue entender quem é quem na trama... um dia recebo tarefas do escritório no Colorado, outro dia preciso mandar relatório para Seattle com autorização assinada na Irlanda, outro dia devo pedir senhas para Beijin...

Bem, são esses os relatos de uma mulher mais ou menos jovem caída, sem querer e assim mesmo grata, nas redes globais...

Monday, April 19, 2010

Cinema e pipoca


E era nada de nem noite de negro não
E era nê de nunca mais
E era noite de nê nunca de nada mais
E era nem de negro não
Porém parece que hágolpes de pê, de pé, de pão
De parecer poder
(E era não de nada nem)
Pipoca ali, aqui, pipoca além
Desanoitece a manhã
Tudo mudou
(Caetano Veloso)

... tenho uma amiga com quem vou ao cinema umas duas ou três vezes por mês. Somos o que aqui se chama de ‘movie buddies’... Um programa bem singelo: uma caminhada, um filminho e um jantar.

Na maior parte das vezes jantamos num lugar onde pedimos ‘tapas to share’ – pequenas porções de comidinha mediterrânea: um pouquinho de salada de lulas, um outro pouquinho de azeitonas, uma pratinho de bolinhos de carne com um tantinho de arroz com açafrão. Tudo por menos de $20, fraternalmente compartilhado, já que estamos as duas vivendo com nossas restrições orçamentárias pessoais.

As vezes, quando a situação pessoal esquenta ou a fofoca da semana  convida, tomamos alguma coisa mais potente. Nessas ocasiões, ela pede um manhattan, e eu fico no vinho branco mesmo.

Ontem, o programa da caminhada antes do filme foi pro brejo, por causa da chuva de Seattle. Nos encontramos no cinema pra ver um filminho bem nada a ver: Date Night.

Dessa vez, enquanto me vestia e secava meu cabelo, resolvi fazer pipoca em casa. Eu não queria pagar $5 por um saco de pipoca comprado no cinema.  Esquentei um pouquinho de óleo de canola com um outro tantinho de manteiga, um tiquinho de orégano, joguei os grãos de milho... em menos de cinco minutos estava eu com dois super sacos de pipoca amanteigadas e deliciosas. Ah, o milho da pipoca, diz a embalagem, é orgânico. (Me pergunto como sementes de uma grama pode não ser orgânico??? Fica pra outra vez.)

Bem, no saguão do cinema encontrei minha amiga já na fila da pipoca. Eu disse a ela que eu tinha pipoca feito em casa, fresquinha, na manteiga. Ele me olhou surpresa, com olhos esbugalhados, e foi pedindo a pipoca da lojinha de porcaria. A meia voz, sussurrando mesmo, ela me disse que não se pode trazer comida de casa ao cinema. Se quizermos comer ou beber, precisamos comprar da lojinha. O olhar dela era de tanto espanto, que nem percebi quando joguei meus saquinhos de pipoca caseira dentro da bolsa.

Na bolsa, eu carregava também uma garrafinha de água de torneira da minha casa. A água de torneira aqui é bem potável e não há razão para comprar água mineral – que, de qualquer modo, deve sair das torneiras da Coca-Cola sabe-se lá da onde.

Bem, aprendi que não podemos levar a nossa água, nem pipoca, nem nada pra dentro do cinema...  Precisamos comprar tudo na lojinha. Somando o ingresso de $10 mais os $ 5 da pipoca mais os impostos,  já pagaria um bom jantar.

Bem, essa experiência toda deve ter durando uns dois minutos. Acabei entrando com a minha garrafinha de água, meu saquinho de pipoca feita em casa, pra ver um filme bem desprezível. Depois, minha movie buddy e eu acabamos a “noitada” num sushi bar ao lado do cinema.

Gente... ou estou dura, ou caindo na real da vida americana ou ficando velha e sovina. Ou, aprendendo a ser mais simples e a curtir as tardes de sábado com uma amiga, vendo filmes e fazendo fofocas gostosas e nada a ver.

Ela voltou pra casa pra continuar a caça de ‘parceiros’  nos sites que ela tanto gosta. Eu, pra terminar um livro e as pipocas.

 ...sábado que vem nos encontraremos pra mais uma rodada. Desta vez, carregando bandeiras e slogans na rua, fazendo passeata e sendo as ativistas tímidas que somos. O nome do evento é compassionate action network Seattle. http://www.compassionateactionnetwork.com/home.asp






Sunday, February 21, 2010

Reflexões de inverno




Este inverno consegui dar umas duas escapulidas. Passei o mes de novembro na Bahia e dez dias no sul do México, em janeiro.

Mas foi nesta manhã ensolarada, descendo pelas ruas floridas de cerejeiras, que me dei conta que andei meio que hibernando esses últimos meses. Foi um inverno suave por essas bandas, sem neve nas ruas, nem tormentas, nem grandes desastres. Pra mim, foram meses cuidando da minha saúde.

Não vou entrar nos detalhes, mas um dos sustos foi que vi (os médicos me disseram) que eu preciso tomar mais cuidado com o meu sistema circulatório. Generalizo assim, por causa do colesterol e pressão alta.

Com esses cuidados preventivos tenho aprendido um monte de coisas:

Sim, é possível passar um mes na Bahia comendo saudavelmente nos quilos. (Claro, não há comidinha melhor do que na casa do papai, mas meu trabalho com o Bahia Street me leva pra longe, reconcavo adentro.) Basta escolher entre uma moqueca de peixe e uma colherada de couve! Simples assim! Entre os bolos e as bananas fritas do café da manhã e meio mamão.

Aprendi também que preciso ser firmona comigo mesma quando o assunto é exercício. Agora, não tem espaço de negociação... Entrei numa academia, e... tá bom, não malho nas máquinas... faço pilates e ioga cinco dias por semana. A opção academia acaba sendo mais em conta do que fazer os cursos por fora. Na  saída da academia, todas as manhãs, olho pras geringonças e penso... amanhã te encaro. Mas o fato é que não falto as aulas. Pensei que fosse emagrecer e ficar bem gostosa. Nada disso. Estou mais forte e flexível. A pele também melhorou... acho que de tanto transpirar. Mas o peso continua o mesmo... e o ser gostosa? Ai, não cabe a mim dizer...

Uma outra coisa que aprendi foi a importância do No-how.

Sim, aprender a dizer não. Não pra amigos deprimidos; não pras ONGS pedidoras de milhares de dolares dos outros e que não pagam nem uma dezena aos voluntários; não pros malas que aparecem com filhos, ex-mulheres, dívidas e outras coisas mal resolvidas; não pra minha preguiça em dias de chuva; não pro gato fujão que agora é meu; não pra quem chora e quer dinheiro emprestado e não sai à luta; não pra essa idéia que a gente tem que ter uma missão na vida e que é preciso mudar o mundo.

Neste final de inverno estou mais tranquila. Não vou mudar o mundo, mas faço o que posso e consigo. Esse meu coração mole não vai mais ser explorado. Aceito a minha escolha de estar aqui, no nortíssimo dos EU, com seus lagos, suas chuvas, sua brancura, seu verde, sua diversidade, alguns poucos mas valiosos amigos, (esse gato que começo a amar). Aceito a minha idade. Meu jeito. Minhas complicações. Meus amores perdidos. Meu jeito de ser. Aceito desafios de trabalho enormes desde que façam sentido e gerem recursos.

Esta tarde, reli a dieta que a cardiologista me mandou. Dieta mediterranea: muito azeite de oliva, vegetais, frutas. Bem, tenho seguido essa dieta faz tempo. Mesmo assim, o colesterol continua alto. Vou então seguir a minha dieta paralela de ficar tranquila e ser quem eu sou, ficar longe de baixo astral, da cultura exploratória das ONGs... Agora, o que não está na dieta da cardiologista é o ingrediente fundamental: é preciso regar todas as abobrinhas, azeitonas, beringelas e grão de bico com...

Um amante mediterraneo!

Por que será que os especialistas de saúde esquecem do fundamental?  Aqui nos EU café, amor, tesão, risos, preguiça, abraços, beijos, vinho, curiosidade, bobeira, palavrão,  são vícios... que daqui a pouco poderão ser punidos com chabatadas. Falam tanto das burkas...